quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Solidão


Foi visto de manhã no Twitter. "Indo pro trabalho". Pouco tempo depois, outro sinal de vida, desta vez acompanhado de uma imagem: "Olha a chuva!" dizia o entusiasmado post, acompanhado de uma foto tirada do lado de dentro de uma janela de táxi. Depois disso, silêncio.

Só foi avistado de novo no Facebook. "Quanta coisa pra fazer!!", dizia o status.

Lembrou-se de atualizar seu Foursquare. "I'm at work", dizia o post acompanhado de um link, que abria um mapa descrevendo exatamente onde "work" era. Checou quantas pessoas foram curiosas o suficiente para clicar, se decepcionou com o número. Fechou a aba em revolta.

Continuou seu dia no Formspring. Nenhuma pergunta nova. Outra decepção. Lançou um apelo através do Twitter: "PERGUNTEM!!!!" acompanhado de um link furioso. Obteve resultado. Uma pergunta tímida: "O seu chefe é legal com você?". Não muito criativa, mas valia. Respondeu simplesmente: "Nem um pouco!".

Olhou para a resposta. Ponderou. Resolveu espalhar o assunto: Abriu uma enquete no Orkut, criou um evento no Facebook. O assunto rodou seu mundo. Postou no Instagram uma foto de seu próprio chefe, irritado com algo. O post, de mãos dadas com o link, dizia: "Olha que insuportável!".

Esperou. Nenhuma manifestação. Alguns comentários isolados, aqui e ali. Resolveu procurar no Google por algo relacionado, achou algumas frases e fotos divertidas. Blogou-as no Tumblr, dando risadinhas.

Resolveu visitar o passado e foi olhar seus e-mails. Algumas atualizações no Hotmail, nada que outros sites já não tivessem dito antes. Mensagem de trabalho no Gmail; mais coisas pra fazer. Suspirou, e fugiu de lá. E-mail é coisa de velho.

Resolveu aliviar a tensão, foi dar uma olhada em sites de humor. Deu algumas risadas, compartilhou algumas piadas e logo cansou.

Viu pelo feed no seu browser o lançamento de um filme com seu ator preferido. Enlouqueceu. Espalhou a notícia aos quatro cantos, blogou, reblogou, twetou, retwetou...

Passada a euforia, postou no seu blog sobre o assunto. Escreveu um verdadeiro livro: Cinco parágrafos cheios!

Cansou novamente. Chega de literatura por hoje.

Sumiu. Apareceu de novo postando no Twitter for iPhone: "Quase em casa! Que dia chato!"

Lar doce lar. Atualizou o Foursquare, o status do Facebook: "Ninguém merece o computador lá do trabalho!"

De fato. No lar, liberdade. Adicionou algumas fotos, mexeu em outras com o Photoshop. Entrou no MSN, ninguém online. Saiu, entrou de novo, saiu de novo. "Ninguém fala comigo!", reclama no Twitter.

Entrou no FaceTime, nada. Acessou o recente Google+. Nada de novo. Rodou, rodou e rodou na internet. Entrou até na UOL, procurando alguma notícia interessante. Nada. Absolutamente nada.

Desligou o computador. Morreu silenciosamente.

 


 

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Lovestory

O transporte público é um lugar curioso. Várias pessoas que não se conhecem se juntam, cada uma com um objetivo diferente e uma personalidade distinta e se toleram por alguns minutos (ou algumas horas) para alcançar seu objetivo final, que na maioria das vezes não tem nenhuma relação com ninguém ali. E embora você passe algum tempo espremido e agarrado em um desconhecido, você raramente se apega a ele no relativamente curto período de tempo em que dividem um espaço.

Se apega...?

*

Ele entrou no metrô por último, quase o perdeu. Seu chefe iria matá-lo se ele chegasse atrasado. Ele não podia perder mais um emprego, e esse na oficina não era tão ruim. Não tão ruim se comparado aos outros, pelo menos. Não era o melhor salário do mundo, mas mesmo assim pagava as contas. A maioria delas, pelo menos.

Ele não perdeu tempo procurando um lugar, e agarrou o corrimão no meio do corredor. Ele estava vestido com um capote pesado e simples, marrom, que escondia bem o macacão típico de mecânico. Ele se divertia imaginando o que as pessoas deveriam pensar quando o vissem...

Com um solavanco, o vagão se moveu, lentamente no início, e depois mais veloz, em direção ao túnel escuro. Entediado, ele olhou a sua volta e percebeu uma linda mulher sentada alguns passos à sua frente, vestida em um casaco de pele e agarrada a uma bolsa. A mulher tinha ar de rica, postura de rica, se vestia como rica. Ela contrastava com o ambiente do metrô, como um talher de prata brilhando entre outros de ferro barato. Ela quase reluzia, ofuscando todos ao seu redor. Ela usava pouca maquiagem, tinha o cabelo loiro caindo nos ombros e brincos discretos. Ao vê-la tão arrumada, ele próprio se sentiu terrível, com seu cabelo castanho sujo e desarrumado, seu capote imundo e suas mãos calejadas. Ele imaginou como seria a pele da mulher. Como seria tocá-la, tocar seus cabelos, sentir um corpo contra o outro... A mente dele divagou, imaginando como seria conhecê-la. Que ela era rica, isso era óbvio. Porque estaria no metrô? Talvez seu carro estivesse quebrado... Talvez aquele Mercedes na oficina fosse dela! Fazia todo o sentido... Ela até poderia estar indo pra lá nesse exato momento, pegar o carro. Nesse caso eles sairiam na mesma estação... Seria a chance perfeita para puxar uma conversa. Você por acaso não está indo na oficina a duas quadras daqui pegar o seu Mercedes, está? Mesmo? Eu trabalho lá! Sim, é um carro muito bonito... Claro, eu te acompanho até lá!

E assim ela sairia com ele para um jantar, um bar qualquer, depois restaurantes mais finos, ele a levaria para seu apartamento, e depois ela o levaria para sua suíte quatro quartos...

A parada brusca do trem o tirou de seus devaneios. Ele vasculhou a plataforma com os olhos procurando indicações da parada, e percebendo que era a sua, saltou para fora do vagão. Ele instintivamente olhou para e trás e seus olhos encontraram o da mulher por uma fração de segundo, mas que para ele durou minutos. O olhar dela era carinhoso e receptivo, que aqueceu o coração dele, logo a ser partido quando percebeu que ela não se levantaria, que não saltariam na mesma estação... E então o trem partiu com um solavanco, levando-a para longe... Para longe do olhar, para longe de qualquer tipo de envolvimento, para longe...

Quando chegou à oficina, ao ver o Mercedes sendo devolvido a um senhor de terno e gravata, ele comentou com seus colegas de trabalho que encontrara uma linda mulher no metrô, uma morena linda... Ou era loira? Ele não mais se lembrava... Os outros riram dele, e voltaram ao trabalho. Mas ele se lembrava de uma coisa, e isso ele não revelou à seus colegas.Ele se lembrava do olhar, o olhar quente, carinhoso, reconfortante e acolhedor... E aquilo, aquilo sim, ele jamais se esqueceria.

*

Ela chegou cedo à estação, e entrou primeiro no trem, conseguindo um lugar para sentar. Ela se agarrou à bolsa de couro sujo, que ela tinha por anos e nunca conseguia dinheiro suficiente para jogar fora e comprar uma nova. Ela vestia um casaco de pele emprestado da sua amiga, maquiagem simples e brincos baratos. Ela se odiou por um momento, por não ter dinheiro suficiente para conseguir pagar por roupas elegantes, maquiagem e brincos de verdade. Lógico, para os padrões mínimos ela estava bem vestida, mas isso não era suficiente. Não chegava nem perto. Seu cabelo nem ao menos era bonito, pensava ela, era um loiro meio escuro, como se estivesse borrado. Ela suspirou. Seu emprego na loja de roupas não pagava bem o suficiente para seus desejos. Esse emprego exigia que ela estivesse bem vestida e sempre simpática, o que ela se esforçava para ser, mas o casaco de pele emprestado realmente dava a qualquer um que estivesse olhando uma idéia errada de sua verdadeira situação financeira.

Ela se acomodou no banco engordurado o melhor que pôde e tentou esquecer o ambiente a sua volta. Porém, em certo ponto do trajeto, ela sentiu como se estivesse sendo observada. Uma intuição, um sexto sentido tilintou e ela discretamente levantou o olhar. Ela percebeu, então, um homem jovem olhando para ela. Mas, ao mesmo, não exatamente para ela. Era como se o olhar a atravessasse, como se ele estivesse fitando o vazio. Mas estava olhando para ela.

O homem estava vestido em um capote marrom elegante, certamente com um terno e gravata impecáveis por baixo. Ele tinha o cabelo castanho de uma tonalidade impressionante e olhos negros como uma noite sem lua, olhando sem ver. Certamente um empresário, com uma carreira em ascensão. Havia muitos escritórios perto de onde ela trabalhava. Se ele saltasse na mesma parada que ela, estava confirmado: Um jovem e bem-sucedido empresário. Ela até poderia puxar conversa, dizer onde ela trabalhava... Ele, como o ótimo cavalheiro que certamente era, a convidaria para jantar naquele restaurante da avenida logo abaixo da loja de roupas que requer reservas de dois meses... Sim, e lá ele revelaria seu amor profundo por ela, diria que moveria montanhas por ela, diria que a levaria até o infinito e voltaria... E também revelaria seus planos para se tornar promotor, depois se candidatar a deputado, depois senador, depois...

Ela mordeu o lábio, não conseguindo esconder um sorriso. O que diriam suas insípidas colegas de trabalho? Com certeza se morderiam por dentro. E ela desfilaria com seu novo homem, mostrando seu novo troféu...

Quando o trem parou era quase caiu para o lado. Ela ergueu o olhar buscando pelo seu príncipe encantado, e quase desmaiou quando viu que ele saltava para fora do vagão. Ela implorou com os olhos para que ele ficasse, para que vivesse sua vida com ela... E subitamente ele se virou, mas era como se ela já esperasse por isso e lançou um olhar de súplica...

Então o trem se moveu, e a escuridão substituiu a plataforma iluminada em um piscar de olhos.