domingo, 26 de fevereiro de 2012

O Mito do Jornalismo Neutro


Em uma reunião de amigos, no final da noite, depois daquela sexta latinha de cerveja, o cara que se acha entendido de política fica todo filosófico e solta, sempre acompanhado de um palavrão estrategicamente posicionado, uma crítica à mídia nacional (e às vezes internacional, para parecer ainda mais intelectual). É o estopim para que aquilo que era um grupo de amigos em um encontro casual vire um grupo de estudos com os melhores cientistas políticos, sociólogos e professores de universidades presentes. Eles discutem a situação deplorável da mídia, argumentando com números totalmente inventados e citações de origem duvidosa até que a chama se apaga, os experts ficam sonolentos e todos vão pra casa, certos apenas de uma coisa: A mídia não é neutra.

Apesar de nosso grupo de amigos nem tão fictício assim acordar no dia seguinte sem nenhuma lembrança do resultado da discussão que com certeza trouxe uma solução para a crise econômica e a fome mundial, a questão é válida. Existe mídia neutra? Se sim, até que ponto?

A grande certeza é que alguns veículos de mídia são escandalosamente favoráveis a partido A, e vergonhosamente hostis com partido B. Esses são os mais inofensivos. Eles têm manchetes em letras garrafais, quase sempre acompanhados de pontos de exclamação. O remédio é fácil: Simplesmente ignorá-los. Eles claramente não são neutros, algumas vezes até pertencem ao partido A, e o leitor está perfeitamente ciente que, se der atenção a eles, só ouvira maravilhas de fulano e calamidades de beltrano. É o caso de alguns países vivendo ditaduras, nos quais o líder, glorioso líder, é o salvador de uma nação ameaçada pelo imperialismo estrangeiro. A mídia faz de tudo para criar essa imagem de líder perfeito, em alguns casos beirando o ridículo. 

 Outros veículos de mídia não declaram sua preferência, mas omitem notícias e dão destaque a outras, fazendo a cabeça do leitor, espectador ou internauta sem que esse perceba. Esses são mais perigosos. O cidadão com um pouco mais de senso crítico procura um jornal neutro, e encontra esse, com letras convidativas e manchetes nem tão simples e nem tão complexas. Escondidas por trás de uma aparente neutralidade estão crenças políticas, sendo implicitamente colocadas na mente daquele que as ouve. Assim é a mídia de países democráticos, com eleições regulares e rotatividade no poder. Aparentemente neutra, discretamente imparcial.

 O grande problema é o que cidadão mais básico, que assiste jornal só por que está passando na televisão, é influenciado por esse jornalismo nada neutro. E como tudo que passa na televisão tem que ser verdade, esse cidadão acaba acreditando de bom grado, por falta de que acreditar. O ser humano necessita de um vilão e de um mocinho tanto quanto precisa de um governo. A mídia o ensina a antagonizar esse e favorecer outro. Sem senso crítico algum, o cidadão engole a verdade distorcida e acredita piamente nela, levando essa crença para o lugar mais perigoso de todos: As urnas.

O dever primordial da imprensa é informar. O ideal seria transparência total de governos e demais instituições, e se isso acontecesse não haveria necessidade de um jornal dizendo o que está havendo no mundo.  Mas não vivemos nessa utopia, a imprensa existe e é imprescindível para a justiça e para essa frágil forma de governo chamada democracia. Alguns veículos de mídia se esforçam para se manterem neutros, mas sempre há uma notícia que é mais importante que a outra. O principal é a alternância. Um bom veículo de mídia analisa várias visões políticas diferentes, informando de tudo um pouco. Um bom cidadão lê, ouve ou acessa mais de um veículo regularmente. É importante ter duas fontes de informações, mesmo que elas parecem neutras e iguais. Os detalhes são tudo.

E é sempre bom ter uma percepção geral. Uma coisa é um jornal claramente imparcial. Outra é ler vários jornais, todos dizendo, de jeitos diferentes, a mesma coisa. Aí, talvez o problema não seja com a imprensa, mas sim com o governo.

Aí cabe ao cidadão quem xingar em uma discussão com os amigos no fim da noite.

Um comentário:

  1. Linda reflexão! Food for thought: se a neutralidade é (humanamente) impossível, será desejável?

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