domingo, 5 de janeiro de 2014

Céu Estrelado

Deitado sobre a relva, o garoto assistia as estrelas. Eram uma imensidão, tantas que contar era irrelevante, mas ele fazia isso mesmo assim, e se maravilhava sempre que uma riscava o céu iluminado, fazendo-o perder a conta e permitindo que começasse tudo de novo. Estava sozinho, embora desejasse não estar, mas isso não importava agora. O que importava eram as estrelas e seu jogo de brilhar, piscar e cair. Ele se perguntava por que os adultos se preocupavam tanto durante suas vidas se havia um céu estrelado daquele jeito esperando por eles à noite. Não haviam filas, números ou ingressos: o show de estrelas estava aberto a todos, começava quando queria, terminava quando bem entendia, e deixava o garoto maravilhado durante todo o espetáculo.

Durante o dia, o garoto se esforçava ao máximo para convencer os adultos ao seu redor a se juntar a ele em observar as estrelas, mas eles nunca prestavam atenção. Sempre precisavam dormir cedo, pois estavam cansados por ter de trabalhar o dia todo e precisavam acordar cedo para trabalhar de novo. O garoto não entendia, mas não dizia nada. Então ele tentava descrever as estrelas e sua imensidão, mas não podia, acabando pedindo novamente que o acompanhassem e era novamente ignorado.

Por isso ele pensava, contemplando tudo aquilo, sentido a grama nas suas costas, o vento frio da madrugada no seu rosto, que tudo o que ele queria era compartilhar tudo aquilo com alguém. Queria que os adultos vissem o que ele via, mas não exatamente o que ele via: Queria que eles tivessem suas próprias visões, que gostassem ou desgostassem, mas sobretudo que vissem. Não havia nada mais importante.

Queria discutir com elas se aquela constelação realmente parecia um caçador; se aquela outra não era igualzinha a um cavalo, ou um homem metade cavalo; se aquelas estrelas não estavam perfeitamente alinhadas, ou se essa brilhava mais intensamente do que as outras. E os adultos concordariam, ou discordariam, ou discutiriam com outros adultos, e todos aproveitariam o espetáculo. Mas ao invés disso, ele estava sozinho, e felizmente as estrelas não pareciam se importar com o tamanho da plateia, se apresentando mesmo assim.

E esse pensamento angustiava o garoto: como fazer com que os adultos se importassem com as estrelas? Era uma angústia que atrapalhava o espetáculo, e o garoto desejava que ela não existisse, mas não podia afastá-la completamente de seus pensamentos. Se ao menos eles compreendessem...

Então, no dia seguinte, o garoto levou um caderno e um lápis para o show das estrelas, esperando que elas não se importassem, e começou a escrever o que via. Escreveu sobre a imensidão delas, escreveu sobre como eram impossivelmente belas, sobre seu brilho distante, sobre como algumas delas, se juntas com outras, formavam imagens. E escreveu sobre as imagens, e as histórias que elas contavam, e que histórias elas poderiam contar, se apenas mais pessoas as vissem. Escreveu até que o show terminasse, e então mostrou o que escrevera a todos os adultos que pôde encontrar.

Muitos o ignoraram como sempre fizeram, e continuaram imersos em suas preocupações.

Outros agradeciam, assentiam, e devolviam o caderno sem sequer ler o que havia nele.

Mas alguns... Alguns leram o que aquelas palavras diziam, e fitaram o papel longamente, lendo e relendo... Eles pareciam ponderar, sacudiam a cabeça subitamente, mas não tiravam os olhos das palavras; Em seguida, esses poucos adultos olhariam fundo nos olhos do garoto, como se procurassem alguma coisa, e o garoto simplesmente olhava de volta, pois não havia mais nada a ser feito.

Esses adultos então se enfureceriam; gritavam, se afastavam, reclamavam do tempo perdido. Mas havia alguma coisa nessa raiva que era diferente, percebeu o garoto. Então ele continuou mostrando seu caderno para quem quisesse ver, e no fim do dia, foi observar o espetáculo novamente.

Ele estava sozinho, como sempre. Deitou-se na grama, como sempre, e esperou que as estrelas começassem sua dança. E a medida que elas se mostravam, devagar, mas graciosamente, o garoto percebeu que havia alguém ao seu lado. Não um, mas vários: todas as pessoas que foram cativadas pelo caderno estavam ali, apesar de sua raiva. Elas olhavam para o alto, tão maravilhadas quanto o garoto quis que elas estivessem. Elas soltavam exclamações, apontavam, cutucavam umas às outras e contemplavam tudo aquilo que o garoto sempre quis mostrá-las. Nenhum dos adultos ali saberia dizer porque veio, mas sabiam que era lindo, e se perguntavam silenciosamente por que não haviam feito isso antes.

E ao garoto, elas não disseram nada, pois não havia mais nada a ser dito. 

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